As ruas feitas de pedras e as casas de pau a pique são o retrato do que é preservado no coração do Brasil. A cidade de Goiás, que fica a 140 km da capital, é o berço da cultura goiana, que completa nesta terça-feira (14) duas décadas como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, título que lhe foi dado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
Para o aposentado Benedito Gomes da Neiva, de 73 anos, que mora no município desde que nasceu, preservar a história da cidade vai além do que se vê.
“É preservar o que foi feito no passado, deixando a história viva no presente e no futuro”, afirmou o idoso.
O centro histórico da Cidade de Goiás faz lembrar uma época do Brasil conhecida como Ciclo do Ouro. Quando os bandeirantes chegaram no estado, há quase 300 anos, fundaram o povoado que recebeu o nome de Arraial de Santana, passou a se chamar Vila Boa e se tornou a primeira capital do estado.
As ruas carregam um caráter primitivo dos centros urbanos dos séculos XVIII e XIX. Por isso, no município, o ato de retirar uma pedra do lugar carrega uma grande responsabilidade, como afirma o funcionário público Fábio Luiz Santos.
“Tem que ter muito cuidado para fazer qualquer reparo. Por aqui, cada pedaço de pedra importa. Tudo conta uma história, a história do começo do nosso Brasil”, afirmou o trabalhador enquanto concertava predas que cobrem uma das ruas da cidade.
Cora Coralina
Estátua de Cora Coralina, que fica em frente ao museu Casa de Cora Coralina, na cidade de Goiás — Foto: Millena Barbosa/g1
E a história desta cidade não pode ser contada sem passar por Cora Coralina, a poetisa mais conhecida e admirada do estado e uma das maiores referências da literatura em todo o Brasil.
Dos 95 anos que viveu, cerca de 30 foram na casa onde hoje é o Museu Casa de Cora Coralina, que mantém a história dela viva. O espaço é administrado pela professora aposentada e “pupila” da poetisa, Marlene Vellasco, que faz questão de destacar a importância do título para a cidade.
“O título não é só da cidade de Goiás, não é só dos goianos, não é só do Brasil, é do mundo. Todos têm responsabilidade por essa cidade. É o patrimônio de uma humanidade. Quando você preserva o patrimônio de um povo, você dá dignidade para aquele local”, afirmou.
Culinária
Divina Rodrigues dos Santos ao lado dos doces preparados por ela, na cidade de Goiás — Foto: Millena Barbosa/g1
Atualmente, ela é proprietária de uma doceria no Centro Histórico, onde são encontrados doces típicos, sendo o principal deles o “pastelinho goiano”. A sobremesa, feita com uma base de farinha de trigo, leite e gordura, leva um delicioso recheio de doce de leite.
“Aqui é a cidade ideal para mim e para o meu trabalho. É tranquila, boa de viver e linda. É muito importante que tudo isso seja mantido”, afirmou.
Empadão goiano na cidade de Goiás — Foto: Millena Barbosa/g1
Enchentes
Enchente que devastou a cidade de Goiás, em 2001 — Foto: Arquivo/TV Anhanguera
Apesar de toda beleza revelada pela arquitetura, o município já foi bastante castigado por enchentes. Em dezembro de 2001, uma forte chuva fez transbordar o Rio Vermelho, devastando o município e atingindo também o centro histórico da cidade, que tinha acabado de receber o título de Patrimônio Mundial.
“Essa rua onde moro ficou todinha alagada. A água não chegou a afetar a minha casa, mas lembro que essa aqui ao lado foi toda levada. As estruturas das casas foram totalmente danificadas”, contou.
Depois das enchentes, foram feitos alguns reparos no leito do rio que corta a cidade, mas o problema não chegou a ser resolvido, como afirma a professora Marlene Vellasco.
“A gente tem muita coisa a se fazer ainda, principalmente, com relação ao Rio Vermelho. Ele está assoreado. As nascentes estão desmatadas. Ninguém sabe se pode ter uma nova enchente. A natureza é imprevisível. Toda vez que chove, é um pânico na cidade”, afirmou.
Praça do Coreto
Praça do Coreto, um dos pontos turísticos da cidade de Goiás — Foto: Millena Barbosa/g1
Procissão do Fogaréu
Farricocos durante a Procissão do Fogaréu, em Goiás — Foto: Vitor Santana/G1
Milhares de pessoas acompanharam, emocionadas, a caminhada, que tem mais de 250 anos de tradição. Desde então, 40 moradores da cidade vestem as túnicas e capuzes coloridos e saem descalços pelas ruas irregulares de pedra do município.
Mudanças
Mercado Municipal da cidade de Goiás — Foto: Millena Barbosa/g1
“A partir do momento que somos reconhecidos nós temos uma responsabilidade ainda maior de preservar tudo isso. Além disso, nós temos como missão salvaguardar nossa cultura, o nosso jeito de ser, as nossas tradições”, afirmou a secretaria de cultura Raissa Coutinho.